Espaço Litúrgico



O povo de Deus, que se reúne para celebrar o mistério pascal de Cristo, forma uma assembléia orgânica. Ela expressa-se por várias funções e ações, em diversos momentos da celebração. A disposição geral do edifício sagrado deve ser tal que ofereça uma imagem da assembléia reunida, permita uma conveniente disposição de todas as coisas e favoreça a cada um exercer corretamente a sua função (cf. Instrução Geral do Missal Romano, 294).
Precisa-se superar o pensamento de que o espaço celebrativo deve ter uma estrutura bipartida, com apenas dois pólos: o presbitério (lugar dos ministros) e a nave (lugar do povo cristão).
Três pólos devem ser valorizados na sua relação com a assembléia litúrgica: o altar, a sede e o ambão.

Presbitério
Quando a assembléia for numerosa, o Presbitério deve ficar num plano mais elevado para facilitar a visibilidade e a acústica, mas não excessivamente elevado, para não parecer distante do povo. Ao contrário, deve dar idéia de estar inserido na assembléia. Em pequenas capelas esse desnível é até desnecessário.
O Presbitério deve ter espaço suficiente para as peças necessárias e para a mobilidade do presidente e dos ministros.

O altar
O centro da fé cristã é o Mistério Pascal de Cristo, sua total entrega por nós, confirmada pela Ressurreição e dom do Espírito. O altar representa (traz-nos sempre presente à memória) este Mistério, Sua entrega total por nós, ontem, hoje e sempre. Em torno do altar reúnem-se os fiéis para participar do banquete pascal.
É importante que a mesa seja uma peça sólida e estável. Ela pode ser em pedra, madeira, concreto, ferro, evitando-se imitações destes materiais.
O altar deve ocupar um lugar que seja o centro, para o qual a atenção de todos os fiéis naturalmente se dirija buscando sua participação. Evite-se todo distanciamento em relação à assembléia.

O ambão
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, do Concílio Vaticano II, afirma: Cristo está presente "pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja" (SC 7).
Sendo a Palavra uma só, o ambão também deve ser único. Ele pode ser fixo ou móvel. É importante ter estabilidade e não ter aparência frágil. A altura é sempre a mesma, com uma inclinação para facilitar a leitura; a fim de facilitar a visão da assembléia, e o local for muito grande, pode ser colocado num tablado.
Não deve haver dois móveis iguais, mas diferentes: um para a Palavra (ambão) e outro para os comentários (estante). Para a estante móvel, deve-se prever um outro local, fora do presbitério.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) relata sobre o ambão que a dignidade da Palavra de Deus exige que exista na Igreja um lugar que favoreça o anúncio desta Palavra e para o qual, durante a liturgia da Palavra, se volta espontaneamente a atenção dos fiéis.
Todos os fiéis ao serem batizados tornam-se membros da comunidade de Cristo e membros do seu corpo que é a Igreja. Então, em cada espaço litúrgico pode haver um lugar apropriado para a Celebração do Batismo, fazendo com que todos, possam lembrar das promessas batismais; também um lugar para a Penitência. Por isso, a Igreja deve prestar-se à expressão do arrependimento e ao recebimento do perdão.
A Igreja deve ser o espaço onde propicie o recolhimento e a oração prolongando essa experiência com o Cristo interiorizando a grande oração da Eucaristia.

A cadeira para o Sacerdote celebrante e os ministros ou o lugar da presidência:
Quem preside a Liturgia é o próprio Cristo, na pessoa do presidente da assembléia litúrgica. O sacerdote que preside a Eucaristia é o sinal sacramental de Cristo Jesus que está presente, mas de maneira invisível.
A cadeira (sede) é o lugar daquele que preside a celebração. Juntamente com o ambão e a mesa da Eucaristia, constitui os três principais elementos do presbitério.
A cadeira nunca deve ser colocada em frente ao altar. Ela deve expressar e valorizar sua função e sua simbologia deve ter unidade de forma e estilo com as outras peças.
Caso sejam colocadas cadeiras para os demais ministros, que estas sejam diferentes da cadeira da presidência, mas mantenham o mesmo estilo e forma.

Cruz processional
O Missal Romano orienta sobre o uso da cruz processional em vez de grandes crucifixos pendurados nas paredes, para simbolizar que a cruz acompanha o cristão em sua caminhada, mas a meta é a ressurreição, a glória, a vida.
A cruz processional deve apresentar a imagem do crucificado; ser pequena (30 a 50 cm), feita de material e forma que estejam em harmonia com as demais peças do presbitério. Após, carregada em procissão como sinal do Cristo morto e ressuscitado, ela permanece junto ao altar.

Credência
É uma espécie de pequena mesa colocada discretamente no presbitério para apoiar os objetos necessários para a missa: o cálice, a patena, as galhetas, os livros ou o que mais for necessário, dependendo da celebração. Não deve sobressair com rendas ou outros ornamentos. É bom que sua altura seja inferior à do altar. A credência pode ser colocada encostada na parede lateral do presbitério ou como um console na parede, fazer parte da própria parede. A credência pode ser fixa ou móvel. Na entrada da igreja, podem ser previstas uma ou mais credências para as ofertas ou folhetos. O material usado deve ser simples e nobre e estar em harmonia com as demais peças do presbitério.

A Nave (assembléia)
Na nave, os fiéis se reúnem em assembleia para participar das celebrações. A nave é muito importante e deve ter garantidas a funcionalidade e a comodidade. O lugar deve induzir ao respeito e ao silêncio. Deve-se prever um fluxo eficiente das pessoas em determinados momentos da liturgia, por exemplo, nas diversas procissões previstas (entrada, oferendas e comunhão). Para isso, corredores central e laterais são calculados levando em consideração o público almejado e em conformidade com a legislação municipal (se houver).
Nas novas igrejas, disponham-se os bancos ou as cadeiras de tal forma que os fiéis possam facilmente assumir as posições requeridas pelas diferentes partes da celebração e aproximar-se sem dificuldades da sagrada Comunhão. Cuide-se que os fiéis possam ver e ouvir, com facilidade, quem preside, o diácono e os leitores.
A forma ideal para a celebração litúrgica renovada após o Concílio, não é a de igrejas com naves compridas, mas uma disposição que favoreça tanto a aproximação entre a assembleia e o presbitério como a participação.

Coro (animadores dos cantos)
O local ocupado pelos cantores e pelos instrumentos musicais deve estar inserido na nave, pois estes fazem parte da assembleia. Por isto, recomenda-se não mais projetar um espaço tipo mezanino. O importante é que toda a assembléia sinta-se motivada a participar dos cantos, animados pelo grupo de cantores.

Batistério (fonte batismal)
Na construção do batistério seja destacada e realçada a dignidade do sacramento do Batismo. Seja o lugar adequado para as celebrações comunitárias. Convém projetar uma sala batismal. Pode-se inserir o batistério na própria igreja, na nave central ou lateral, mas separada do presbitério e em plano mais baixo em relação a este.
A liturgia fala da “fonte batismal”. Esta idéia do batistério-fonte pode ser visualizada fazendo jorrar verdadeiro jato de água nascente.

Capela da Reconciliação (confessionário)
Este espaço deve facilitar o contato pessoal e o diálogo entre o fiel e o sacerdote, e permitir que sejam adotadas as posturas convenientes: de pé, sentado ou de joelhos. Seja um local discreto, mas à vista, que possua duas cadeiras e uma pequena mesa.
O ideal é que, dentro do corpo da igreja, se preveja um espaço que ao mesmo tempo faça parte da nave e dela se distinga.

Capela do Santíssimo
O centro do espaço celebrativo é o altar, no qual o pão é consagrado e repartido. A reserva eucarística deve ficar fora do presbitério, numa capela própria para a oração individual e comunitária. Nessa capela, eventualmente, podem ser celebradas missas com menor número de fiéis. Caso não possa haver capela do Santíssimo, é possível colocar um tabernáculo no presbitério, mas em harmonia com o altar, o ambão e a cadeira presidencial.        O sacrário deve ser digno e nobre, imóvel e sólido; necessita ter fechadura, não pode ser transparente. Sua forma, seu estilo e o material devem considerar as demais peças e formar com elas um conjunto. Tecidos rendados, letreiros, flores ou outros enfeites não ajudam a elevar a dignidade da peça e do seu conteúdo, pelo contrário.
A lâmpada do Santíssimo acesa indica a presença da Reserva Eucarística. Pela força de seu simbolismo deveria ser alimentada por material vivo: óleo, cera, parafina... Contudo, a lâmpada elétrica também é permitida.
Deve-se evitar rigorosamente a utilização imprópria de recursos do tipo luz néon, frases luminosas e outros artifícios inadequados.
O mobiliário da Capela do Santíssimo deve ter genuflexórios para proporcionar momentos de oração e adoração ao Santíssimo para quem preferir utilizar a posição de joelhos.



Átrio (Porta)
O Átrio é o lugar que dá entrada à igreja. Ele separa o exterior do interior. Este local tem a função de preparar a entrada e marcar a passagem de uma realidade para outra.
Pode haver aí uma pia de água benta para que se faça o sinal-da-cruz em preparação ao Mistério de que se vai participar. É preciso que a porta principal de entrada receba um tratamento diferenciado das demais, pois representa Cristo (a Porta). Ela deve ser maior, com puxadores mais nobres, podendo ter algum símbolo.

Avisos e cartazes
Os cartazes e avisos fazem parte da vida e da dinâmica da comunidade e devem ter um lugar determinado e adequado para sua exposição.
A comunidade deve evitar a disposição de letreiros, avisos, cartazes, mensagens edificantes ou de congratulações e mesmo citações da Escritura, espalhados pela igreja, pela nave ou no presbitério, pois desviam a atenção dos fiéis da liturgia e prejudicam seu desenvolvimento.
O melhor local para concentrar avisos e cartazes é no átrio. É aí que as pessoas podem parar para ler os avisos, quando entram ou quando saem, sem atrapalhar o andamento da celebração.

Imagens (programa iconográfico) (O que diz a I.G.M.R.)
O que o Evangelho diz com palavras, o ícone anuncia através das cores e, de certo modo, torna-o presente. A imagem é sinal da presença do invisível. O programa iconográfico deve ser muito bem elaborado, simultaneamente ao estudo e à organização do projeto arquitetônico da igreja. É importante prever as técnicas a serem empregadas (pintura, mosaico, vitral, esculturas...). O mesmo zelo deverá ser adotado na escolha do artista ou artistas e da empresa que realizará tais trabalhos, tendo presente o critério apresentado no Catecismo:
A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde por sua forma à vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus, beleza excelsa e invisível de verdade e amor, revelada em Cristo... (Cat. 2502).
É preciso cuidado para não haver exagero. Às vezes em uma única igreja multiplicam-se imagens de Jesus Cristo, da Virgem Maria ou de um santo, quando bastaria um único exemplar de cada. O programa iconográfico de um edifício cristão tem como centro a imagem de Cristo (crucificado ou ressuscitado).
A imagem do(a) padroeiro(a), em pintura ou escultura, pode ficar em algum lugar do presbitério ou na nave. Ela jamais é o centro. Nunca colocá-la sobre um altar, pois só deve haver um altar, que é o eucarístico.
A iluminação adequada, pontual, pode valorizar e atrair dignamente a atenção à imagem, sem que seja preciso recorrer a outras soluções.
Recomenda-se que a via-sacra e outros elementos devocionais subjetivos estejam fora do lugar da celebração eucarística.

Ornamentação (O que diz a I.G.M.R.)
Os caminhos mais fáceis para atingir o belo e o sublime são a simplicidade e o despojamento. Ambientes com muita decoração tendem a esvaziar a própria celebração, acarretando uma indesejada dispersão visual.
A ornamentação é parte integrante do espaço litúrgico e deve estar incluída no projeto arquitetônico, sempre lembrando que é preciso cuidado no uso de folhagens e flores. Os arranjos devem ser discretos.
É recomendável o emprego de plantas e flores naturais no local de celebração, pois o local onde a Verdade é anunciada e experimentada supõe uma decoração com materiais autênticos.


Via-sacra
A via-sacra, entendida como caminho sagrado que lembra os últimos passos de Jesus em direção à sua paixão e ressurreição, encontra justa localização no espaço externo da igreja.

Torre
Houve tempo em que a torre marcava o centro geográfico da cidade e o centro da vida dos cidadãos. Os sinos chamavam para as celebrações. Hoje, entretanto, a torre é facultativa, pois sua construção depende das tradições locais e dos recursos disponíveis para a obra. Pela verticalização das cidades, caso se opte por não construir uma torre, é conveniente que haja algum elemento na fachada direcionado para o céu, com uma cruz e/ou um pequeno sino. São elementos fortes da igreja-edifício ainda reconhecidos por todos.

AMBIENTES AUXILIARES:
Sacristia
Recomenda-se projetar duas sacristias: uma próxima do presbitério onde serão guardados os objetos de uso litúrgico e outra junto à entrada da igreja, apenas para a paramentação do sacerdote e ministros.

Secretaria
A localização da secretaria deve ser prática e de fácil visualização, evitando-se interferência no espaço celebrativo.

Sanitários
Em conformidade com a legislação municipal, devem ser previstos sanitários para o uso dos fiéis. Se houver possibilidade, coloque-se um sanitário ou lavabo vinculado à sacristia. O acesso aos sanitários deve localizar-se afastado do presbitério, se possível fora da nave, para evitar o trânsito de pessoas e ruídos que perturbem a celebração.


Referência: IGMR 



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OS SACRAMENTAIS

AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
Ildebrando Scicolone

A definição
O catecismo da Igreja Católica nos dá uma descrição dos sacramentais tendo por base a SC 60. Tal descrição deve ser confrontada com a definição de Liturgia presente na SC 7, onde se diz que "na liturgia, por meio de sinais sensíveis é significada e, de modo que lhes é próprio, realizada a santificação do homem". Se isso ocorre nos sacramentos o Concílio o afirma também para os sacramentais.
Distinções preliminares
A distinção entre sacramentos e sacramentais remonta ao século XII, quando a incipiente escolástica quis definir a natureza dos sacramentos e fixou o número septenário. Depois que os Concílios de Florença e Trento esclareceram o que são os sacramentos, como, também, o seu número, todas as outras celebrações começaram a se chamar sacramentais.
Antes desta época o termo “sacramentum” indicava tudo aquilo que a Igreja celebrava e não apenas as ações litúrgicas, mas, também, ( e, às vezes, principalmente) as coisas, isto é, os elementos como a água, o sal, o óleo, as cinzas, etc. pelo simples fato de terem recebido uma

bênção.
Distinções
Costuma-se distinguir os sacramentais dos sacramentos a partir de sua “instituição” e pela sua respectiva “eficácia”. Quanto à primeira, diz-se que os sacramentos foram instituídos por Jesus Cristo, enquanto que os sacramentais foram instituídos pela Igreja. As coisas, porém, não são assim claras, tanto é verdade que para “definir” o número septenário dos sacramentos a Igreja precisou esperar até o Concílio de Trento  (1545-1563).
Distinções
Não se pode, de fato, basear-se sobre um ou mais textos bíblicos (neotestamentários) para encontrar o fundamento da instituição de um sacramento, mas é preciso olhar toda a história da salvação. Com efeito, aqueles que chamamos sacramentos são sinais sob os quais podemos ler toda a Bíblia com sua mensagem salvífica. Esta, mesmo sendo uma única história de salvação, pode ser vista sob vários aspectos: ela culmina na Páscoa de Cristo, enquanto esta é vida nova com a efusão do Espírito Santo, aliança (não excluído o aspecto esponsal), reconciliação, cura, constituição de um povo sacerdotal.

Distinções
A Igreja por isto reconheceu nos sacramentos sinais seguros da presença eficaz da Páscoa enquanto evento salvífico e lugar onde os cristãos entram em contato com ela, santificando-se.

Os livros litúrgicos, porém, conhecem outras celebrações que, enquanto tais, não se diferenciam dos sacramentos, pois possuem uma similar estrutura celebrativa e estão relacionadas com eles. Encontramos, por exemplo, nos antigos sacramentários o rito da bênção da esposa (é sacramento?), seguida imediatamente pela consagração das virgens.

Distinções
Outro critério de distinção entre sacramento e sacramental está no grau de eficácia. Enquanto os sacramentos operam ex opere operato, isto é, pelo único fato que acontece a celebração, enquanto Cristo é o sujeito agente ( a eventual indignidade do ministro humano não prejudica o efeito), nos sacramentais a eficácia depende ex opere operantis ecclesiae, isto é, pela impetração da Igreja.

A bênção: o que significa?
As celebrações de todos estes sacramentais consiste essencialmente em uma bênção, ainda que para alguns deles se usem termos como “consagração”, “dedicação” e no passado, também “ordenação” por ex. do monge, no sentido de “profissão”.
As várias “Premissas” (Praenotanda) do novo Rito de Bênçãos nos oferecem uma breve teologia da “bênção” à qual aqui acenamos.

O significado da bênção
Deus, bendito nos séculos (Rm 9,5), dando origem a toda criação declarou boas todas as coisas, isto é, ele as “abençoou”. Esta bênção inicial não foi cancelada pelo pecado e toda a história da salvação consiste em tornar eficaz, apesar da teimosia do homem, esta bênção. Isto se mostra no amor misericordioso de Deus para com seu povo. O ponto culminante desta história é Cristo, no qual Deus nos cumulou de bênçãos (cf. Gl 4,4; Ef 1,3). Assim, a antiga maldição se transformou para nós em bênção. Durante a sua vida Jesus se mostra no ato de abençoar, especialmente os pequenos e deixou este mundo abençoando os discípulos ( cf.Lc 24,50).

Estrutura da Celebração
Os sacramentais, de qualquer gênero, podem ser celebrados durante a missa ou fora dela. O rito, neste caso, articula-se geralmente da seguinte forma: saudação inicial, monição que explique o sentido da celebração, oração, leitura ( uma ou mais) seguida de breve homilia,  oração de invocação ou intercessão, oração de bênção, bênção do povo e despedida.

Recorde-se, além disso, que toda celebração litúrgica deve compreender os três elementos: leituras, orações e cantos, quando possível.

Tipologia dos Sacramentais
Os sacramentais podem referir-se a pessoas ou coisas. Em ambos os casos podem ser constitutivos ou invocativos, ou seja, quando constituem uma pessoa em um determinado estado ou ministério ( instituição dos ministérios, consagração das virgens, profissão religiosa, bênção do abade, etc.) ou invocam de Deus somente uma bênção sobre elas. Em relação às coisas, são constitutivos no caso de uma dedicação ou bênção de um igreja enquanto são invocativos na bênção de objetos de piedade,  de lugares de moradia ou de trabalho, de meios de locomoção.
Tipologia

Os sacramentais constitutivos de per si não são reiteráveis (não podem ser repetidos) no sentido de que uma vez recebidos não se perdem. Aqueles sobre as coisas podem se perder quando não se verificam mais as condições essenciais, como, por exemplo, quando uma igreja ou um altar dedicados são profanados, isto é, usados contrariamente à sua destinação cultual. Neste caso, recuperadas as condições, devem ser re-consagrados.
As bênçãos invocativas são sempre reiteráveis.

Tipologia
Uma articulação dos sacramentais pode ser determinada pelo sacramento do qual dependem ou ao qual são ordenados. Temos, assim, sacramentais que giram em torno do batismo, como a bênção e aspersão da água benta, a profissão de fé ou a renovação das promessas batismais; o sacramento da eucaristia, que consiste na celebração da ceia do Senhor, tem ao seu redor todo o culto eucarístico fora de celebração, como a exposição do Santíssimo Sacramento, a procissão eucarística, Congressos eucarísticos, etc.; ligam-se ao sacramento da penitência as celebrações penitenciais, o rito das cinzas, as procissões penitenciais; ao sacramento da ordem, as instituições dos ministérios; ao matrimônio, não como antítese, mas como alternativa, a consagração das virgens e a profissão religiosa; ao sacramento da unção dos enfermos, todo o cuidado pastoral relativa a eles, a recomendação dos moribundos.

Sacramentais constitutivos de pessoas

1 – Instituição dos leitores e dos acólitos
Antes se falava impropriamente de ordens menores e eram quatro: ostiário, leitor, exorcista e acólito. Com a reforma do Vaticano II voltaram a ser ministérios confiados a leigos do sexo masculino de modo permanente. Os leitores têm a tarefa de proclamar as leituras na liturgia, mas também de instruir os irmãos na catequese e no estudo da Bíblia. Os acólitos servem ao altar e orientam para ele a sua vida e dos irmãos.

Sacramentais constitutivos de pessoas
2 – Rito da consagração das Virgens
É um rito muito antigo na Igreja com o qual uma mulher se consagra perpetuamente a Deus com o propósito ( voto)  de virgindade pelo reino dos céus. Este rito que depois permaneceu em uso somente em alguns mosteiros foi agora recuperado também para jovens moças que permanecem no mundo secular. O rito é celebrado pelo Bispo que representa Cristo-Esposo com o qual a virgem se esposa (cf. 2 Cor 11,2; 1Cor 7,25-38).

Sacramentais constitutivos de pessoas

3 – O rito da profissão religiosa
Trata-se de um ritual geral que cada ordem ou congregação religiosa deve adaptar à própria espiritualidade e tradição. Religiosos são aqueles assumem os conselhos evangélicos em comunidade, prometendo viver em pobreza, castidade e obediência, antes por um certo tempo (profissão temporal) e depois para sempre ( profissão perpétua ou definitiva).

Sacramentais constitutivos de pessoas
4 – O rito da bênção do Abade e da Abadessa
É próprio da tradição beneditina na qual o abade é o superior de uma abadia. Esta, desde a época de Carlos Magno em diante, teve tanta importância que os abades receberam os mesmos privilégios dos bispos, tanto que o rito da sua bênção era semelhante ao da ordenação episcopal. Depois do Vaticano II o rito foi reformado e exprime melhor o significado e a função de um “ pai” (= abade) e de um mestre de uma comunidade monástica.

Sacramentais constitutivos de pessoas
5 – Instituição de ministros extraordinários da comunhão
No Rito de Bênçãos encontra-se, também, este novo rito que confia a leigos e leigas o mandato de ajudar os ministros ordinários na distribuição da eucaristia, seja durante a missa ou fora dela, tanto na igreja quanto nas casas dos doentes e em hospitais. O mandato pode ser permanente ou temporal e pode ser revogado pelo bispo. A bênção é , portanto, constitutiva em tais condições.

Sacramentais constitutivos de coisas
1     - Rito de Dedicação da igreja e do altar
2     Os cristãos sabem ser, eles mesmos, templo de Deus. Por isso, nos primeiros séculos não havia lugares destinados ao culto, pois os cristãos se reuniam em casas particulares. Depois da paz constantiniana começaram a ser construídas basílicas destinadas unicamente (= dedicadas) às reuniões da assembléia eclesial para o culto divino. Tal dedicação consistia essencialmente na celebração da eucaristia, mas bem cedo o rito foi sendo assemelhado àquele da iniciação cristã: o templo era aspergido ( isto é, lavado) com água e ungido (em doze pontos das paredes marcadas por cruzes para recordar as doze tribos das quais é composto o povo e os doze apóstolos que são os pilares da Igreja) ( cf. Ap 21,14).

Sacramentais constitutivos de coisas

2 - Bênção dos objetos destinados ao culto
Estes são as igrejas, oratórios, capelas que não são solenemente dedicadas, os óleos sagrados ( o óleo dos catecúmenos, para a unção pré-batismal, o óleo para a unção dos enfermos e, sobretudo, o crisma para todas as outras unções), os sinos das igrejas, o batistério, o cemitério, etc.

Bênçãos invocativas sobre pessoas
Não existe celebração da Igreja que não tenha uma bênção para o povo que dela participa. Esta bênção acontece no final do rito. Existem, no entanto, circunstâncias particulares para abençoar todo o povo. Pense-se, por exemplo, na primeira bênção do novo bispo, do neo-sacerdote, etc. A bênção nestes casos às vezes é simples, outras vezes mais solene e consiste em oração sobre o povo (cf. Missal Romano, no final do rito da missa).

Bênçãos para pessoas particulares ou grupos se encontram no novo Rito das bênçãos. Depois de uma bênção pelos benefícios recebidos, este livro contém 18 ritos de bênçãos sobre as pessoas. Vale a pena elencá-los para ver em que variedade de circunstâncias se pode bendizer a Deus e invocar a sua bênção.


1 – Bênção dos enviados ao anúncio missionário do Evangelho
2 – Bênção para uma reunião de agentes pastorais ou para uma reunião de oração (no Missal existe um formulário para a missa)
3 – Bênção dos catequistas e dos participantes da catequese
4 – Bênção dos professores e alunos no início do ano escolar
5 – Bênção dos doentes
6 – Bênção por ocasião de encontros comunitários para doentes
7 – Bênção dos agentes pastorais da pastoral dos doentes
8 – Bênção  dos grupos e associações de voluntários para o socorro e ajuda nas necessidades públicas
9 – Bênção dos peregrinos

10 – Bênção para quem viaja, dos migrantes, dos refugiados e dos exilados
11 – Bênção da família
12 – Bênção anual das famílias nas casas ( note-se que não se benzem as casas, mas as famílias que nelas habitam)
13 – Bênção dos cônjuges ( no aniversário do matrimônio ou em outras circunstâncias)
14 – Bênção das crianças
15 – Bênção dos filhos ( por parte dos pais ou do sacerdote)
16 – Bênção dos noivos ( até agora o noivado dos cristãos era visto como uma coisa privada ou profana)
17 – Bênção de uma mãe ( antes e depois do parto)
18  – Bênção dos anciãos
19  As bênçãos invocativas sobre as coisas
A bênção sobre as coisas se baseia no fato que Deus é o Criador e Senhor não somente do homem, mas também do cosmos. São Paulo diz que “a criação anseia com impaciência a revelação dos filhos de Deus...toda a criação geme e sofre até hoje nas dores de parto” (cf. Rm 8, 19.22). A ressurreição de Cristo deu novo sentido e nova esperança também ao mundo criado e destinado a ser transformado em “ novos céus e nova terra” (Ap 21). Mas é em relação ao homem que Deus fez todas as coisas e é o homem que bendiz a Deus e lhe agradece pelas coisas que ele lhe deu fazendo-se a voz de toda a criação.

As bênçãos sobre animais e sobre as coisas materiais nos ensinaram a respeitá-los e a servir-se deles segundo o plano do Criador. Assim se supera o dualismo maniqueísta  ou ainda a oposição entre sagrado e profano pelo fato de que com a Encarnação, o Filho de Deus não só se fez homem, mas viveu em uma casa, usou alimentos, roupas, barcas e tudo aquilo do qual todo homem se serve.


I – As casas e ambientes de trabalho
1 – Bênção de uma nova casa;
2 – Bênção para abertura de um canteiro de obras;
3 – Bênção para novos locais paróquias;
4 – Bênção para um seminário;
5 – Bênção para uma casa religiosa;
6 – Bênção para uma escola ou universidade;
7 – Bênção para uma biblioteca;
8 – Bênção para um hospital;
9 – Bênção para escritórios, laboratórios, lojas

II – Instalações e instrumentos técnicos
10 – Bênção para locais destinados a comunicação social;
11 – Bênção para locais e instalações esportivas;
12 – Bênção para locais destinados a aparelhos técnicos;
13 – Bênção para estruturas e meios de transporte;
14 – Bênção para ferramentas e instrumentos de trabalho.

III – A terra e seus frutos
15 – Bênção de animais;
16 – Bênção de campos, prados e pastagens;
17 – Bênção de primícias;
18 – Bênção da mesa (com diversos formulários segundo os diferentes tempos litúrgicos).

IV. Bênçãos de lugares, objetos destinados ao uso litúrgico e à piedade cristã
1 – Bênção de uma batistério ou fonte batismal;
2 – Bênção de uma cátedra ou sede presidencial;
3 – Bênção de um novo ambão;
4 – Bênção de uma altar ( móvel, não fixo, pois neste caso deve ser dedicado), 5 – Bênção do cálice e da patena;
6 – Bênção de um tabernáculo eucarístico;
7 – Bênção para a exposição de uma nova cruz à veneração pública;
8 – Bênção para a exposição de uma nova imagem à veneração pública;
9 – Bênção de uma sede para o sacramento da penitência ( confessionário);
         10 – Bênção da água lustral fora da missa;
11 – Bênção de uma porta da igreja;
12 – Bênção dos sinos;
13 – Bênção de um órgão;
14 – Bênção de objetos para o culto;
15 – Bênção de uma Via-Sacra;
16 – Bênção do novo cemitério;
17 – Bênção dos túmulos no dia de Finados.

Exorcismos
A obra salvífica de Cristo pode ser descrita também como uma vitória sobre o mal do qual pedimos no Pai nosso de sermos libertados. E podemos pedi-lo porque o Senhor Jesus é o mais forte que vence o forte (cf. Lc 11,22). O Cristo glorioso é superior a “ todo principado e potestade” (Ef 1,21; cf. Cl 1,16; 2,10). Os evangelhos muitas vezes narram libertações de possessos por parte de Jesus como sinal de sua futura vitória pascal. Aos discípulos depois o Mestre deu ordem para expulsar os demônios ( Mt 10,1, Mc 3,15; 6,7.13; 16,17; Lc 9,1).

Exorcismos
A Igreja sempre praticou os exorcismos mesmo se os rituais são particularmente tardios. Devemos, porém, distinguir dois tipos de exorcismos: aqueles que fazem parte do caminho catecumenal ou que precedem o batismo (sempre litúrgicos) e aqueles que buscam libertar um cristão possesso pelo demônio depois do batismo (exorcismo solene de natureza jurídico-litúrgica). Para praticar este exorcismo, reservado aos sacerdotes, se recebe uma autorização especial do bispo.
O Catecismo adverte justamente que é preciso antes de tudo certificar-se que se trate de uma verdadeira possessão diabólica (n. 1673) e não de doenças psíquicas ou físicas que devem ser curadas com a ciência médica.

Exéquias cristãs
Não há muito que acrescentar ou explicar a respeito do que o Catecismo diz sobre as exéquias cristãs. Os números que tratam delas se inspiram no novo Rito das Exéquias da Igreja romana seja na visão teológica, seja na descrição das possibilidades que o rito oferece.

Quanto à primeira, sublinhamos o caráter pascal da celebração das exéquias cristãs. Isto se exprime plasticamente com a presença, à cabeceira da urna funerária presente no centro da igreja, do círio pascal aceso que liga diretamente a celebração ao batismo e à noite pascal.

Exéquias
De fato, o cristão, morrendo, leva fisicamente a efeito o sacramento do batismo no qual ele é simbolicamente morto e ressuscitado com Cristo.

A celebração da eucaristia para os defuntos que é o coração das exéquias cristãs exprime esta fé: a Igreja faz a eucaristia, isto é, agradece a Deus porque um membro seu passou e chegou ao Pai. Os fiéis, porém, mesmo respondendo “É nosso dever e nossa salvação” ao convite “ Demos graças ao Senhor nosso Deus” nem sempre pensam segundo a fé mas continuam a “chorar como aqueles que não têm esperança” (1Ts 4,12).

Exéquias
Expressamos o auspício que o novo rito transforme profundamente a catequese e, sobretudo o modo de pregar sobre a morte em termo muito humanos apresentando-a como o justiceiro das ações humanas. Muitos cristãos estão num estado de ambigüidade em relação à morte: participam dos funerais, rezam pelos mortos, visitam cemitérios, e no entanto, continuam a pensar que a morte física seja o fim de tudo. Devemos acostumá-los a pensar que não é uma porta que se fecha ou uma luz que se apaga, pelo contrário, é uma porta que se abre ou a verdadeira luz que se acende.

Exéquias
A Igreja chama dies natalis ( dia natalício) o dia da morte dos santos (isto é, dos cristãos) porque à luz de Jo 16,21 e Rm 8,22 se deve pensar nos anos da vida presente como os nove meses da nossa gestação em preparação ao verdadeiro nascimento e à verdadeira vida.
Além da fé na futura ressurreição, nas exéquias e na oração pelos defuntos exprime-se a fé na realidade da “ comunhão dos santos”, vivos e defuntos.

Exéquias
Esta oração, e em geral as orações, pelos defuntos (em cada celebração eucarística a Igreja os recorda ao Pai e os confia à sua misericórdia) é tradicional, mas traz alguns problemas. O Catecismo afirma que “ as exéquias cristãs não conferem ao defunto nem um sacramento nem um sacramental”, mas se pode  perguntar se diante de Deus e da eternidade se tem sentido falar de passado e futuro. Além disto, não traz boas conclusões julgar as celebrações da Igreja a partir daquilo que conferem ( em termo de “ graça”  quantitativamente ou qualitativamente considerada). É preciso, pelo contrário, olhá-las como celebrações do mistério de Cristo que nos associam, que nos configuram a Ele e nos fazem participar de sua vitória










1
A LITURGIA, MOMENTO HISTÓRICO DA SALVAÇÃO
NAS CONFERÊNCIAS DO CELAM
EM MEDELLIN, PUEBLA, SANTO DOMINGO E APARECIDA
Dom Armando Bucciol
Introdução.
Em sua palestra o prof. Andrea Grillo dizia que para acolher e entender o Concílio  preciso “elaborar
‘linguagens diferentes’ (O’Melley): o Concílio comporta uma conversão de linguagem que é,
talvez, a empreitada mais exigente para esta e as próximas gerações” e apontou “quatro coisas a não
serem esquecidas”, isto é, a) a liturgia é ação ritual, b) é experiência de comunhão, c) é tempo festivo /
doado, d) enfim é fons et culmen.
A partir dessas sugestões, analisei os Documentos das quatro últimas Conferências do Episcopado
latino-americano. O que estes importantes eventos eclesiais disseram no que se refere a
dimensão que estamos considerando, isto é, A liturgia qual momento histórico da salvação?
Falando a Cultores e Professores de Liturgia, dispenso-me de aprofundar conceitos. Minha colocação
pretende captar a ressonância conciliar nos Documentos das Igrejas do Continente, qual
proposta de recepção criativa e inculturada.
Observava ainda o prof. Andrea, que a recuperação do conceito de Liturgia (L.) como “continuidade
com a obra de salvação”, pede que se recupere, mais do que a noção teológica, “as condições
antropo-teológicas da sua verdade”. Neste sentido, as Conferências do Episcopado latino-americano
e caribenho, procuraram usar uma linguagem muito em sintonia com a vida e a história de nossos
povos. Essa dimensão histórica da salvação, que se fundamenta na Páscoa de Cristo, encontra sensibilidade
específica na leitura teológica e pastoral de nossos documentos.
Até que ponto as orientações dadas pelas quatro Conferências foram e estão sendo recebidas,
deixo à avaliação competente e experiente de todos. Com certeza, muito e positivamente se caminhou,
mas, também, longo caminho nos resta a fazer. Ainda mais que é-nos exigido muito cuidado
para não esquecer os passos dados e voltar atrás, ignorando o que nestes últimos decênios foi amadurecido
e conquistado.
1. O que é Liturgia?
O Documento da última Conferência que aconteceu em Aparecida (Ap) (maio de 2007) destaca
a dimensão pascal da L. e aponta o mistério pascal qual elo unificador da L. e da vida eclesial.
Nele a Eucaristia é considerada em sua identidade teológica, litúrgico - celebrativa, espiritual, devocional
e existencial. Escrevem os bispos: “Encontramos Jesus Cristo, de modo admirável, na Sagrada
L. Ao vivê-la, celebrando o mistério pascal, os discípulos de Cristo penetram mais nos mistérios
do Reino e expressam de modo sacramental sua vocação de discípulos missionários” (Ap 250). Logo
em seguida, se lê: “A Eucaristia (é) lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cris2
to... de tal modo que a existência cristã adquira verdadeiramente forma litúrgica”1. Por isso, “a Eucaristia,
fonte inesgotável da vocação cristã é, ao mesmo tempo, fonte inextinguível do impulso
missionário” (Ap 251). A partir da Eucaristia – Liturgia, decorrem afirmações de forte espessura
teológica que definem exigências e estilo do testemunho e do anúncio missionários.
Este pensamento é expressão teologicamente madura de uma longa caminhada de reflexão e de
empenho cristão. Por isso, vale a pena relembrar o que dizia sobre L. o I dos 4 importantes documentos
que consideramos: as Conclusões de Medellín (1968). Um dos 16 temas tratados, o 9, é
Liturgia2.
A ideia de L. é expressa nestes termos: “A presença da salvação, enquanto a humanidade peregrina
até sua plena realização na parusia do Senhor, culmina na celebração da L. eclesial (cf. SC 8 e
10)”. Respira-se ainda muito viva a influência conciliar. As referências a SC e outros textos conciliares
são constantes, sobretudo LG. Por ex., outra frase síntese: “Como não vivemos ainda a plenitude
do Reino (cf. LG 3 e 5), toda celebração litúrgica está essencialmente marcada pela tensão entre
o que já é uma realidade e o que ainda não se verifica plenamente (cf. LG 48 e SC 6)”; “A L., momento
em que a Igreja é mais perfeitamente ela própria, realiza, indissoluvelmente unidas, a comunhão
com Deus e entre os homens (cf. LG 1 e SC 47), e de tal modo, que aquela é a razão desta”3.
O documento de Puebla (P.) – 1979 - trata o assunto “Liturgia” num longo parágrafo (895-963)
que começa assim: “A oração particular e a piedade popular, presentes na alma do nosso povo,
constituem valores de evangelização; a L. é o momento privilegiado de Comunhão e Participação
para uma Evangelização que conduz à libertação cristã integral, autêntica” (P. 895).
Em Santo Domingo (SD) – 1992 – se lê: “O culto cristão deve expressar a dupla vertente da obediência
ao Pai (glorificação) e da caridade com os irmãos (redenção), pois a glória de Deus é que o
homem viva. Com o qual longe de alienar aos homens, os liberta e os faz irmãos” (SD 34). A preocupação
‘atualizante’ retorna com insistência. Por ex. quando se escreve: “O serviço litúrgico tem por si
mesmo, um valor evangelizador” e “a Nova Evangelização deve situar-se em lugar de destaque. Na L.
faz-se presente hoje Cristo Salvador. A L. é anúncio e realização (cf. SC 6) dos feitos salvíficos que
nos chegam a tocar sacramentalmente; por isso, convoca, celebra e envia”; “a celebração não pode ser
algo separado ou paralelo à vida” (SD 35).
De Aparecida, destaco ainda, a centralidade dada à ação e à experiência de Cristo que “introduz o
cristão numa profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda a riqueza de seus sinais. Desse modo,
a vida vem se transformando progressivamente pelos santos mistérios que se celebram, capacitando
o cristão a transformar o mundo” (Ap 290); ainda: “O discípulo, em cada celebração eucarística4, renova
sua aliança de amor” (Ap 350).
Concluo a leitura dos Documentos a respeito deste primeiro aspecto, retomando as palavras do
prof. Grillo: “A L. é experiência de comunhão” – dizia - e, por isso, “mostra os limites de toda captura
privatizante e publicitária”.
A análise dos Documentos evidencia uma sensibilidade marcadamente atenta às dimensões comunitárias,
sociais e até políticas da fé e de sua expressão fundamental, a L. Esta, numa análise unitária e
abrangente, é chamada a caminhar em sintonia e harmonia com o testemunho de uma vida impregnada
de solidariedade e amor, em busca da libertação plena de cada pessoa e dos povos.
2. Qual a situação da L. em nosso Continente?
1 Continua: “Em cada Eucaristia os cristãos celebram e assumem o mistério pascal, participando nEle. Portanto, os fiéis
devem viver sua fé na centralidade do mistério pascal de Cristo através da Eucaristia, de maneira que toda a sua vida
seja cada vez mais eucarística”.
2 Segue-se o método: Ver (Dados gerais sobre a situação), Julgar (Fundamentação teológica e pastoral), Agir (Recomendações).
3 Em nota se faz referência ao discurso de papa Paulo VI na inauguração da Conferência.
4 A Eucaristia é definida “celebração central da Igreja” e “alimento substancial dos discípulos missionários” (Ap 25).
3
Medellín abre com palavras quase desanimadoras. Observa que se em algumas regiões houve
crescentes esforços para a renovação litúrgica, em outras ainda está fraca e em geral é “insuficiente”.
“Falta uma mentalidade sobre o conteúdo da reforma”; “tem-se a impressão de que o bispo nem
sempre exerce de forma eficaz seu papel litúrgico”; “a L. não está integrada organicamente na educação
religiosa”. É interessante retomar este “ponto de partida” quando avaliamos hoje nossa realidade.
Em Puebla os bispos já reconhecem que, uns 15 anos após o início da reforma litúrgica “a renovação
está dando resultados positivos”; isso favorecido por vários elementos5 e facilitada “pelo
idioma comum, a riqueza cultural e a piedade popular” (P. 898). Logo, recordando SC 37-40, aponta-
se “a necessidade de se adaptar a L. às diversas culturas e à situação de nosso povo jovem, pobre
e humilde” (P. 899). Porém, acrescentam-se mais duas observações críticas: “A participação na L.
não repercute de forma adequada no compromisso social dos cristãos. A instrumentalização que,
por vezes, se faz da mesma, lhe desfigura o valor evangelizador” (P. 902)6.
De Puebla a Santo Domingo se passaram 12 anos. Como procedeu a reforma litúrgica? Foram
dados passos para frente? SD assim avalia: “Muito resta a ser feito tanto para assimilar em nossas
celebrações a renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio Vaticano II, como para ajudar os fiéis
a fazer da celebração eucarística a expressão de seu compromisso pessoal e comunitário com o Senhor.
Ainda não se alcançou plena consciência do que significa a centralidade da L. como fonte e
cume da vida eclesial” (SD 43).
No documento de Aparecida, retorna uma dolorida constatação já presente nas outras Conferências,
isto é, a existência pelo Continente afora de “milhares de comunidades com seus milhões
de membros, que não têm a oportunidade de participar da Eucaristia dominical” (Ap 253), “privadas
... por longos períodos de tempo” (Ap 100 e). Mas uma carência maior, que se reflete também na
escassa consciência e participação litúrgica, consiste na falta de formação de boa parte dos nossos
católicos. De fato, “são muitos os cristãos que não participam na Eucaristia dominical nem recebem
com regularidade os sacramentos”... “Temos alta porcentagem de católicos sem a consciência de
sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade fraca e vulnerável” (Ap 286). Trata-se
de uma realidade a todos conhecida. A escassa compreensão e participação na L., então, não se cura
sem esta formação que deve ser realizada no estilo da Iniciação, compreendendo a mistagogia (cf.
Ap 290).
3. Peculiaridades e acentuações na vivência da L.
Medellín destaca o valor da celebração litúrgica; de fato, ela apresenta, “mediante o conjunto
de sinais com que expressa a fé”, diferentes e importantes valores7. Acentua-se a necessidade que “a
celebração litúrgica comporta e coroa um compromisso com a realidade humana (cf. GS, 43), com o
desenvolvimento e com a promoção, precisamente porque toda a criação está envolvida pelo desígnio
salvador que abrange a totalidade do homem (cf. GS 41)” (II a).
Em Puebla a consciência do sentido e das competências específicas da L. adquire uma definição
mais clara: “A L. é... um encontro com Deus e os irmãos; banquete e sacrifício realizado na
5
Enumeram-se os novos livros litúrgicos, a difusão da catequese pré-sacramental, os documentos da sé Apostólica e das
diferentes Conferências Episcopais etc. (cf. P. 896- 897).
6 Continua: “Prejudicial também tem sido a falta de observância das normas litúrgicas e de seu espírito pastoral, por
abusos que causam desorientação e divisão entre os fiéis” (P. 903). P. reconhece as várias dificuldades e limites na
realização da reforma litúrgica, por ex. quando escreve: “A Pastoral litúrgica ainda não tem a prioridade que lhe corresponde”
(P. 901), e “é necessário promover os agentes da Pastoral litúrgica” (P. 942). Denuncia, ainda, o aparecer de
uma “mentalidade neo-ritualista” (P. 916).
7 Eis o texto: “1. Um conhecimento e uma vivência mais profunda da fé (cf. SC 33); 2. Um sentido da transcendência da
vocação humana (cf. SC 41); 3. Um fortalecimento do espírito da comunidade (cf. PC 6, SC 26 e 27); 4. Uma mensagem
cristã de alegria e esperança (cf. SC 5 e 6); 5. A dimensão missionária da vida eclesial (SC 2, AG 15); 6. A exigência
postulada pela fé, de comprometer-se com as realidades humanas (cf. SC 11 e 12, GS 43)”.
4
Eucaristia; festa de comunhão eclesial, na qual o Senhor Jesus, por seu mistério pascal, assume e
liberta o Povo de Deus e, por ele, a toda a humanidade, cuja história é convertida em história salvífica,
para reconciliar os homens entre si e com Deus. A L. é também força em nosso peregrinar,
para que se leve a bom termo, mediante o compromisso transformador da vida, a realização plena
do Reino, segundo o plano de Deus” (P. 918).
Pode-se observar o destaque próprio da teologia e vivência pastoral da época eclesial, com o
constante incentivo para unir fé e vida, liturgia e testemunho, história do povo e história salvífica,
projeto de Deus que se cumpre dentro do compromisso transformador, também sem nele se esgotar.
Retoma-se SC, quando se escreve: “Pelos sacramentos, Cristo continua, mediante a ação da Igreja,
a encontra-se com os homens e salvá-los” (P. 923); “a reforma e renovação litúrgica fomentem a
participação que conduz à comunhão” (...). “Por isso, as considerações pastorais salva sempre a observância
das normas litúrgicas, devem superar o mero rubricismo” (P. 925)8. Existe a busca constante
de fidelidade à identidade da L., e o firme desejo que tudo sirva para fazer crescer a vivência
eclesial do Povo de Deus9.
O documento de Aparecida dedica muitas páginas à L. e à análise dos Sacramentos todos, sobretudo
ao Batismo e à Eucaristia. Falando da vida paroquial se diz que as paróquias devem ser sempre
mais “comunidades eucarísticas que vivem sacramentalmente o encontro com o Cristo salvador” (Ap
175a) e que todo compromisso de solidariedade humana e social encontra na Eucaristia sua razão de
ser como “exigência de uma evangelização integral” (cf. Ap 176). Acentua-se, enfim, a urgência de
“promover a ‘pastoral do domingo’ e dar a ela ‘prioridade nos programas pastorais’ (cf. SD 4)” por
que “sem uma participação ativa na celebração eucarística dominical e nas festas de preceito, não existirá
um discípulo missionário maduro” (Ap 252).
Em síntese, os votos e desejos das Conferências são claros; suficientemente clara, também, é a
consciência do que deve preceder, acompanhar e seguir o momento litúrgico e das dimensões do trabalho
pastoral. Nesta História da Salvação que recebemos e da qual, por graça, somos protagonistas,
temos grandes responsabilidades. Não adianta ficar nos detalhes se não colhermos o objetivo geral e o
essencial. Nossas últimas Diretrizes (D. 37) lembravam uma afirmação de papa Bento XVI: “Não se
começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento,
com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida” e, “por sua vez, este encontro é mediado
pela ação da Igreja”10. Neste sentido a L. tem um papel fundamental, indispensável!
4. A inculturação: desafio e compromisso
À dimensão inculturação aparece desde o documento de Medellín como exigência dentro da
L. e retorna constantemente, encontrando em Santo Domingo destacada expressão: “Para que a L.
possa realizar, em plenitude, seus objetivos”, necessário se faz “adaptar-se ao gênio das diversas
culturas e encarnar-se nele” (II,b) (cf. SC 37, AG 22, GS 44); e se recomenda de evitar ”erigir, a
priori, a uniformidade como princípio” (cf. SC 37, LG 13).
A necessidade da inculturação reaparece em Puebla como dimensão eclesial e com realce especial
da L. As conclusões recomendam: “Na L., celebrar a fé com expressões culturais, obedecendo
a uma sadia criatividade. Promover adaptações adequadas particularmente aos grupos étnicos e
ao povo simples (grupos populares)” (P. 940).
8
“A renovação litúrgica deve ser orientada por critérios pastorais fundados na própria natureza da L. e de sua função evangelizadora”
(P. 924).
9 Este cuidado retorna, logo em seguida, quando lemos: “Os sinais importantes em qualquer ação litúrgica, devem ser
empregados de maneira viva e digna, com o pressuposto duma catequese adequada. As adaptações previstas na Constituição
SC e nas normas pastorais posteriores são indispensáveis para se conseguir um rito acomodado à nossas necessidades,
especialmente às do povo simples, tendo-se em conta suas legítimas expressões culturais” (P. 926).
Ver P. 928, 941: recomendam que toda celebração deve ter uma projeção evangelizadora.
10 Cf. Deus Charitas est, 1; cf. Ap 12, 243-244.
5
O referencial destas considerações permanece a História da Salvação. Não é novidade o anseio
constante que nossa Igreja, Pastores e agentes de pastoral, teólogos e povo de Deus em geral, têm para
com a praxe, a vida concreta, a realidade humana, poderíamos dizer com a encarnação da Palavra.
Nesta perspectiva as Conferências trabalharam, com um cunho profundamente pastoral. Neste sentido,
eis uma urgência: “Nenhuma atividade pastoral pode-se realizar sem referência à L.” (P. 927);
“qualquer celebração deve ter, por sua vez, uma projeção evangelizadora e catequética, adaptada às
diversas assembléias de fiéis” (P. 928); enfim, a L. deve ser celebração da fé qual “encontro com
Deus e com os irmãos, como festa de comunhão eclesial, como fortalecimento em nosso peregrinar e
como compromisso de nossa vida cristã” (P. 939).
Também SD deu o deu especial atenção à inculturaçã. Observa-se (SD 248) que a inculturação
foi escassa ao longo da história do Continente e, com o papa, se pede perdão “pelos fatos marcados
pelo pecado, pela injustiça e pela violência”. Reclama-se que “ainda não se dá atenção ao processo
de uma sã inculturação da L.” e, de consequência “as celebrações, para muitos, (são) algo ritualista
e privado a ponto de não se fazerem consciência da presença transformadora de Cristo e de seu espírito
nem de traduzirem-na em um compromisso solidário para a transformação do mundo” (SD
43).
Santo Domingo reconhece o “valor pedagógico” de “toda a cerimônia litúrgica de cada sacramento”
11, mas “é especialmente pela L. que o Evangelho penetra no coração mesmo das culturas” e
pede para que “as formas da celebração litúrgica devem ser aptas para expressar o mistério que se
celebra e, por sua vez, ser claras e inteligíveis para os homens e mulheres”12 (SD 35).
Com o compromisso de “desenvolver uma evangelização inculturada” se assume, também, aquele
de “promover uma inculturação da L., acolhendo com apreço símbolos e expressões religiosas
compatíveis com o claro sentido da fé, mantendo o valor dos símbolos universais e em harmonia
com a disciplina geral da Igreja”, tudo isso, sobretudo, “para com nossos irmãos indígenas”.
Desde as primeiras linhas Aparecida acena à inculturação como algo que foi negado no início
da história de nossa evangelização, mas Guadalupe foi “pedagogia e sinal de inculturação da fé”
(Ap 4). Hoje “esforços têm sido realizados para inculturar a L. nos povos indígenas e afroamericanos”
(Ap 99b), e dessa maneira “a Igreja se enriquece com novas expressões e valores, manifestando
e celebrando cada vez melhor o mistério de Cristo, conseguindo unir mais a fé com a
vida e assim contribuindo para uma catolicidade mais plena, não só geográfica, mas também cultural”
(Ap 479).
Podemos relevar que as Conferências captam a existência do(s) problema(s), mas a solução
prática não é fácil de ser encontrada13.
5. A Piedade popular: entre Liturgia e vida, passado e presente da Evangelização
A Piedade popular 14 retorna em todos os Documentos. Chamada com nomes diferentes - devoções
populares em Medellín – é dimensão importante na vida cultural, eclesial e espiritual de
nossos povos. “Sendo tão arraigadas em nosso povo certas devoções populares, recomenda-se buscar
formas mais adequadas, que lhes dêem conteúdo litúrgico, de modo que se tornem veículos da
fé e de compromisso com Deus e com os homens” (cf. SC 13) (3d, 4).
Puebla reconhece que é algo “presente na alma dos nossos povos” (P. 895) e “nós, bispos, não
podemos deixar passar despercebida” e “precisa ser estudada com critérios teológicos e pastorais, para
11 Este termo “cerimônia litúrgica” não é dos mais adequados como sinônimo de L.!
12 Cita-se o discurso de João Paulo II à UNESCO, 02-06-80.
13 Na Mensagem final, 30 entre as linhas pastorais aponta-se a necessidade de uma “L. viva”, numa “Igreja em estado
permanente de missão”: já ao n. 145 encontramos o “compromisso” – diante da realidade do avanço das “seitas fundamentalistas”
que se “promova uma liturgia viva, participativa e com repercussão na vida”.
14
Observa Pe. A. Beckauser: “Os documentos de Medellín e de Puebla preferem usar a palavra religiosidade popular,
mas de fato tratam quase exclusivamente da “piedade popular” manifestada nos “exercícios de piedade” quase que
restritos à devoção a Nossa Senhora e à freqüência aos santuários”.
6
se descobrir seu potencial evangelizador” (P. 910). Reconhece-se que “a América Latina está insuficientemente
evangelizada. A maioria do povo exprime sua fé prevalentemente na piedade popular“ (P.
911). Dela P. analisa aspectos positivos (P. 913) e negativos (P. 914)15 e reconhece que ”encerra valores
evangelizadores” se for iluminada por uma “constante purificação e clarificação” (P. 937). Por
isso, eis a necessidade de “orientar os sacramentos ao reconhecimento dos benefícios de Deus e à tomada
de consciência do compromisso que o cristão tem no mundo” (P. 962). Convida, enfim, a “apresentar
a devoção a Maria e aos Santos como realização neles da Páscoa de Cristo (cf. SC 104) e recordar
que deve conduzir à vivência da Palavra e do testemunho de vida” (P. 963).
Santo Domingo retoma a exigência de valorizar a piedade popular - que chama também de religiosidade
popular – insistindo na urgência de purificá-la e abri-la “a novas situações”, se não “o secularismo
impor-se-á mais fortemente em nossos povos latino-americano e a inculturação do Evangelho
será mais difícil” (SD 53).
Em Aparecida se diz que “a piedade popular é uma maneira legítima de viver a fé, um modo
de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionários, onde se recolhem as mais profundas
vibrações da América Latina” e “no ambiente de secularização que vivem nossos povos, continua
sendo uma poderosa confissão do Deus vivo que atua na história e um canal de transmissão da fé”
(Ap 264). Acentua-se o valor da devoção a Maria, sobretudo, celebrada nos grandes santuários de
Guadalupe e Aparecida: “Maria, reunindo os filhos, integra nossos povos ao redor de Jesus Cristo”
(Ap 265)16.
6. Anotações finais
Finalizando, com expressão resumida, podemos dizer que as “nossas” Conferências manifestaram
constantemente a busca de tornar a história concreta de nossos povos História da Salvação. A
L. coloca em nossas mãos esta História para que não fique no passado; ela nós envolve hoje, pela
presença do Espírito, a vivermos em plenitude a história atual, repleta de graves injustiças e contradições
sócio-políticas e econômicas, qual história da presença salvadora de Cristo. No mistério pascal
tudo é iluminado e transformado.
Liturgistas, Pastores e Pastoras que somos, perguntamos e nos questionamos como isso possa
acontecer de maneira sempre mais bela e compreensiva, de que modo os ‘votos’ e sonhos do Concílio,
destacados pelas Conferências, podem ser encarnados em nossas Igrejas locais.
a) Antes de tudo, gostaria dizer algo a partir da minha experiência de Presidente em tantas e as
mais diversificadas celebrações. Na grande maioria das vezes, nas solenidades da Catedral como
nas Comunidades menores e mais pobres, vivo meu ministério com profunda emoção espiritual e
intensa participação. Penso, às vezes, se os renomados liturgistas que escrevem belas teorias estivessem
presentes, no meio deste povo, simples e humilde, acredito iriam concluir que Deus continua
revelando-se aos pequenos e pobres e a L., quando impregnada de fé simples, ingênua alguém
diria, continua proporcionando uma verdadeira experiência do Cristo vivo. Talvez as rubricas litúrgicas
nem sempre sejam observadas perfeitamente – não por desprezo ou desleixo, só por não conhecimento!
Mas, na maioria das vezes, tudo acontece numa substancial fidelidade às normas litúrgicas,
com espontaneidade e em clima de festa; a atenção é interrompida só pelo choro de uma criança
(isso também entra na História da Salvação), ou de um bêbado que celebra o amor a Cristo
com suas extravagâncias e declarações fora de lugar, ou as briguinhas dos meninos... Sim, o canto,
15 Entre os primeiros: “senso do sagrado e do transcendente; disponibilidade para ouvir a Palavra de Deus; marcada
piedade mariana; capacidade para rezar; sentido de amizade, caridade e união familiar; capacidade de sofrer e reparar;
resignação cristã em situações irreparáveis; desprendimento das coisas materiais” (P. 913); aspectos negativos: “falta de
senso de pertença à Igreja; desvinculação entre fé e vida; o fato de não conduzir à recepção dos sacramentos; exagerada
valorização do culto dos santos com detrimento do conhecimento de Jesus Cristo e de seu mistério etc.” (P. 914).
16 À piedade popular Ap. dedica, sobretudo, os nn. 258-265. Cf. frei Alberto BECKHÄUSER. Religiosidade/piedade
popular no documento de Aparecida: avaliação crítica, desafios litúrgicos e pastorais. Comunicação na atual Semana
Teológica (ver Internet).
7
de boca cheia, não está muito afinado, nem os instrumentos que acompanham... Mas, trata-se de
participação espontânea e alegre, entre risos e choros, palmas e sintonia. Quando se sai destas celebrações,
o coração está repleto de Deus, o Espírito do Ressuscitado se revela vivo em sua Igreja, a
vida adquire novo vigor, pode-se recomeçar a labuta cotidiana na certeza de uma presença que acompanha
e sustenta. Eis a L. fons et culmen da vida de fé e da vida em sua plena dimensão antropológica:
Deus não permanece uma teoria mas se torna experiência humana plena.
b) Na análise dos Documentos em questão, apareceu algo que todos sabemos, mas nem sempre
recebe suficiente destaque. O “ato litúrgico” ou “celebrativo” não pode ser isolado do resto da vida
eclesial e cultural. O que celebramos provem e conduz à existência concreta. Quem celebra é uma
pessoa com sua história, que vive num tecido de acontecimentos. As Conferências e a sensibilidade
de nossa história eclesial apontam para este caminho que não deve ser esquecido neste novo clima
de subjetivismo e emocionalismo em que vivemos. É preciso não perder estes elementos litúrgicoculturais
e eclesiais para repensar o sentido e ver a possibilidade (as formas) do celebrar para e por
parte da pessoa ‘concreta’ com sua história, dentro da História da Salvação que a L. celebra17.
c) Aparece também, para nós pastores e liturgistas um empenho ou desafio. Precisamos constantemente
avaliar e monitorar o amadurecimento e a recepção das idéias. Até que ponto o Concílio
fez crescer uma visão de Igreja segundo LG e GS? SC deve ser lida e aplicada à luz das demais
Constituições e do Concílio em geral. Então, até que ponto as orientações conciliares foram assimiladas
pelos principais agentes de pastoral e como ajudar o povo – começando pelos “intelectuais
orgânicos - “a entenderem as idéias fundamentais do ser Igreja que celebra e testemunha o Mistério
pascal”?
d) Uma última breve reflexão. A L. usa em seu estar na História da Salvação uma linguagem
simbólica, caracterizada pela gratuidade, pela ‘arte’, como um ‘jogo’, na espontaneidade e alegria18.
No serviço a Deus não temos objetivos específicos a alcançar. Só pretendemos ‘estar diante dEle na
gratuidade do amor’, com total desinteresse. A insistência na dimensão do ‘compromisso’, do ‘fazer’,
do ‘transformar’ pode se tornar ambígua e acabar abafando a dimensão própria da oração litúrgica.
Dessa História que atualizamos celebrando nós não somos os principais protagonistas, só fomos, em
Cristo, escolhidos “para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor... para louvor e glória da
sua graça com a qual ele nos agraciou no Amado” (Ef 1,4-6).
17 Neste sentido acolho o convite do prof. Grillo a “recuperar o Concílio sem traí-lo e discutir sua recepção sem ‘cumprimentos’.
18 Na palestra o prof. Grillo nos convidou a “resistir à lógica objetivista ou subjetivista da experiência de fé, que os ritos
salvaguardam, numa riqueza originária e escatológica”.






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